terça-feira, 31 de agosto de 2010

Matéria da Revista do Globo de Domingo na ÍNTEGRA para quem não leu

Liberou geral

Na noite do último dia 21, o promoter Fernando "Pimenta" aguardava cem convidados para a festa que organiza aos sábados, em uma casa na Praça da Bandeira. Às 22h30m, casais, jovens desacompanhados e algumas solteiras começaram a estacionar seus carros (Palios, Corsas, Gols) nas redondezas. Como uma turma da praia ou do bairro, muita gente já se conhecia.

- E aí, hoje promete? - perguntou um engenheiro cinquentão, que vive na Região dos Lagos e encarou160 quilômetros de estrada só para aproveitar a noitada ao lado da mulher, uma advogada da mesma faixa etária.

Fernando respondeu com a cabeça que sim. Apesar de parecer, aquela não era uma comemoração qualquer. Ao lado da mulher, Fátima, uma morena de 40 anos e corpo malhado, o promoter é responsável por festas que têm o sexo como o ponto alto. Na definição dos frequentadores, "tudo é permitido e nada é obrigado".

O prédio de quatro andares, onde já funcionou uma casa de massagem, tem bares e uma boate nos dois primeiros pisos. Acima deles, porém, há cômodos com camas, chuveiros, hidromassagem e luz intimista. Por volta da meia-noite, com a porta do quarto aberta, a advogada já se divertia com um moreno, pelo menos 15 anos mais novo do que ela. Com um copo de uísque na mão, o marido observava.

Ato consumado, o casal saiu juntinho, e o rapaz entrou no chuveiro.

- Frequento essas festas há dez anos e nunca perdi a calcinha - gaba-se a advogada, com a lingerie enrolada no pulso.

Noitadas desse gênero não são exatamente novidade, mas costumavam ser restritas a casais, que pagavam caro para participar do troca-troca. Ao longo da última década, porém, a internet ajudou a propagar os encontros de suingue (que passaram a receber também solteiros interessados no assunto) e as chamadas "baladas liberais" - festas com espaço para atividades carnais em que os desacompanhados podem ser maioria. Hoje, pelo menos seis casas no Rio têm programação fixa para esse público. E o movimento aumentou nos últimos anos. Em 2003, quando o empresário Jorge Lima comprou a boate Mistura Certa, no Centro, apenas 13 casais costumavam aparecer, às sextasfeiras e aos sábados. No restante da semana, a casa ficava fechada. Agora, abre as portas de terça a sábado e chega a receber 160 casais e 45 solteiros numa noite.

A nova onda de eventos refletiu até na rede moteleira. Há dois anos, grupos animados começaram a procurar com regularidade o Sinless, em São Conrado. A frequência das festas e o número de participantes foram crescendo e, há um ano e meio, a direção do motel investiu numa série de obras para dar mais conforto a esse público. A primeira delas abriu espaço para um pátio coletivo capaz de receber 30 carros. Outra interligou as duas maiores suítes, que hoje somam 240 metros quadrados e têm direito a dark room, duas piscinas aquecidas, teto solar e pista de pole dance. Até o fim do ano, termina a maior de todas as obras: a construção de uma cobertura para 200 pessoas.

A fauna que habita as festas é das mais variadas. Um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Psicologia da UFRJ em duas casas de suingue no Rio constatou que a maioria dos frequentadores pertence às classes A e B e tem ensino superior completo. É possível esbarrar com professores, policiais, enfermeiras, advogados, jornalistas, pequenos empresários, analistas de sistemas.

Por isso, é melhor não nutrir grandes expectativas: é bem mais fácil encontrar um tipo comum como seu vizinho do que um casal no estilo Angelina Jolie e Brad Pitt à caça de um solteiro.

Apesar de parecer oba-oba, existe uma cartilha de conduta preestabelecida entre os participantes, principalmente os comprometidos.

Alguns casais andam sempre juntos pelos ambientes; outros não beijam na boca de outros frequentadores.

Existem também os exibicionistas, que vão às festas só para transar em público e chamar a atenção pela coreografia ensaiada.

E, claro, os que passam todo o tempo só observando pelos cantos. Entre os que partem para o jogo completo, a modalidade mais popular atualmente é o ménage à trois, expressão que originalmente designava o sexo a três. Hoje, falase apenas ménage, já que o número de participantes pode ser maior. Há maridos que gostam de assistir à mulher com outro(s). Em sua variação mais extrema, conhecida como gang bang, ela pode se relacionar simultaneamente com três homens ou até mais.

- A maioria usa CAMISINHA, mas alguns ainda correm risco - afirma o promoter Fernando "Pimenta".

Também há maridos que adoram ver a mulher nos braços de moças - uma fantasia, aliás, que leva a maioria deles ao suingue.

- O mundo é ménage. A troca de casais precisa de muita afinidade e é mais complicada - explica a paulistana Fabiana Dias, 37 anos, casada há 15 com o empresário carioca Jorge, 45 anos.

Mas as combinações nem sempre evitam brigas. O pesquisador Alexander Motta, da UFRJ, que foi a mais de 70 festas no Brasil e no exterior, diz que os desentendimentos surgem quando um dos parceiros se sente desconfortável no papel de espectador. É o caso da mulher que topa participar de um suingue contrariada e acaba se empolgando mais do que o marido gostaria. Quase impossível mesmo é ver a troca de carícias entre dois homens.

- É um ambiente permissivo na relação entre mulheres, mas o tratamento não é o mesmo para dois homens juntos - explica Nilma Figueiredo de Almeida, psicóloga da UFRJ e orientadora do estudo que abordou o tema.

Os praticantes de carteirinha costumam chamar seu ambiente de "o meio" e os que estão fora dele de "caretas". Eles costumam trocar emails com a turma "do meio" e marcam churrascos sem conotações sexuais com amigos que fizeram "no meio". Muitos perdem de vez a vontade de sair com turmas "caretas".

- Fora do meio, os homens gostam de falar de outras mulheres e de como traíram suas esposas. No suingue, acontecem relações com três, quatro, seis pessoas sem traição. Tudo é feito junto, com cumplicidade - compara o promoter conhecido como L'Amour.

O frequentador típico costuma esconder suas atividades "recreativas" de outras rodas. Exemplo raro de marido e mulher que não têm medo de revelar a identidade, Jorge e Fabiana apostam tanto nesse mercado que estão abrindo uma agência de turismo virtual voltada para o público de suingue, a BSW.

- Para mim, existem três tipos de pessoas: as que não gostam de sexo, as que gostam e as que se lambuzam. Nós fazemos parte desse último grupo - define o empresário.

Os dois conhecem bem a relação dos potenciais clientes com a internet. Antes de aderir ao suingue, em 2005, eles passaram um ano inteiro em salas de bate-papo. Hoje, nove entre dez novatos tiram suas dúvidas em chats e blogs. Casais e solteiros que dividem as mesmas fantasias também passaram a se conhecer mais facilmente em sites como o Sexo Com Café, uma espécie de Orkut para quem quer encontrar parceiros.

Criado pelo analista de sistemas Júnior "Leal", um morador da Tijuca de 40 anos, a página reúne 130 mil cadastrados.

Não dá para dizer que é um modismo: a internet apenas facilitou a vida dos que já se interessavam pelo sexo não convencional.

- Esse é um segmento restrito da sociedade, que sente prazer com a combinação de risco, visualização e exposição.

É uma situação que nem todo mundo está apto a vivenciar. A maioria dos casais ainda prefere viver sua intimidade de forma isolada - pondera a psiquiatra Carmita Abdo, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Projeto Sexualidade do Hospital das Clínicas.

Tendência mesmo entre os suingueiros é a descoberta de seus pares cada vez mais cedo. Há dez anos, os frequentadores das festas costumavam ser quarentões e cinquentões. De acordo com a pesquisa da UFRJ, a faixa etária predominante hoje é entre 30 e 40 anos.

- Graças à internet, recebemos gente de 20 anos em nossas festas - diz o fundador de um grupo de praticantes que se denomina Swing Nova Geração.

Em uma dessas boates "especializadas" na realização de fantasias sexuais, a noite começa com um show de música ao vivo e casais em clima comportado. A ousadia fica só no figurino feminino. Microvestidos justos e decotadérrimos, assim como sandálias de saltos vertiginosos, são praticamente obrigatórios entre as mulheres.

Em geral, a pista de dança não é cenário de cenas picantes. Mais iluminada, é nessa área que os frequentadores costumam identificar, pelo sapatos, possíveis pretendentes ou aqueles que querem evitar a todo custo nas cabines e corredores escuros ao longo da noite (quase ninguém tira o sapato, mesmo nas situações de maior intimidade).

No bar, as mulheres bebem mais que os homens, já que o álcool costuma ser fator determinante no desempenho posterior de cada um. Muitas se soltam a ponto de arriscar um striptease. A essa altura, muita coisa já acontece nos bastidores.

No Mistura Certa, a grande atração é um labirinto com seis cabines. É possível ver cenas como uma fila de sete rapazes à espera de uma única moça, que realizava fantasias dentro de uma das salinhas.

Em outro ambiente, fazem sucesso três cabines com buracos na parede - uma diversão adulta que ficou famosa mundialmente depois de aparecer no filme inglês "Irina Palm", de 2007. Detalhe: os moços que participam da brincadeira não têm ideia de quem está do outro lado, graças a um vidro especial, similar aos que são usados em salas de pesquisa. Há também um espaço coletivo batizado de Cama de Baco, sempre disputadíssimo. Na porta dessas áreas, há seguranças que conferem a movimentação. Casais só podem entrar e sair juntos. Já os desacompanhados ganham pulseiras brancas (homens) e rosas (mulheres) para identificação.

Em geral, as casas tentam nivelar seu público pelo preço da entrada, principalmente o valor cobrado dos solteiros.

Na 2A2, em Copacabana, os homens desacompanhados só são aceitos às quintas-feiras e desembolsam R$ 180 pelo ingresso. Casais que chegam até a meia-noite pagam R$ 70 (os dois).

- Ainda assim, não aconselho que ninguém com menos de 25 anos e dois de relacionamento frequente - diz Marcos Entrenós, um economista que trabalhou em multinacional antes de abrir, em 2000, a boate para casais, pioneira na cidade.

Num clube de suingue, a abordagem certa começa com trocas de olhares, como em qualquer outra pista de dança.

Já nos quartos, um toque suave no braço é o sinal de quem quer ser notado. Se não houver nenhum corte, dá para seguir em frente. Gafe mesmo é partir para cima de esposas quando os maridos estiverem no banheiro ou no bar.

- O nosso lema é não cobiçar a mulher do próximo quando o próximo não estiver perto - diz Jorge Dias.

É por conta dessa regra que os suingueiros tradicionais torcem o nariz para a chamada "balada liberal". Nessa nova modalidade de festa, solteiros e casais têm o mesmo peso no salão.

- Na balada liberal entra qualquer um e há muito mais curiosos. As chances de desrespeito às regras são maiores - diz uma enfermeira de 34 anos, frequentadora de suingues há dez.

As baladas do Club Mix, na Praça XV, atraem a mistura típica do centro da cidade e têm preços promocionais. As solteiras, além de entrarem de graça, ganham crédito de R$ 15 para gastar no bar. Às terças, o homem desacompanhado paga R$ 70, até as 22h. Outra diferença é que todas as noites são temáticas. As segundas-feiras, por exemplo, são dedicadas às gordinhas.

- É o maior fuzuê. Muita gente adora nosso padrão, e as meninas que frequentam gostam mesmo do negócio - diz a promoter Casadinha, professora de Português, 1,65m e cem quilos.

Às terças-feiras, solteiros e solteiras vão ao delírio com o show de um TRAVESTI que imita Lady Gaga e vibram quando o promoter, Fera, grita no microfone: "Vamos f..." Depois dessa convocação, rola de tudo e mais um pouco. Numa noite de agosto, dois homens sarados se divertiam com uma mulher quando um deles, digamos, decepcionou. Levou uma vaia da turma que acompanhava a transa como um FlaFlu. O garçom Vicente Pedroso, 59 anos, há oito meses no clube, compara seu trabalho ao de um funcionário da Casa da Moeda.

- É como ver um montão de dinheiro, sem poder fazer nada.

Fonte: Revista O Globo de 29/08/2010

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